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Neo Mundo | Ana Chagas – São Paulo | 05/02/2025
A recente decisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Processo Administrativo Sancionador nº 19957.007916/2019-38 pode marcar um novo capítulo na responsabilização de administradores por falhas na governança de riscos socioambientais. O julgamento analisou a conduta do ex-CEO e de um ex-diretor da Vale à luz do artigo 153 da Lei das S.A., que exige que administradores ajam com cuidado e diligência na gestão da companhia. A condenação de Gerd Peter Poppinga, então Diretor de Ferrosos e Carvão, e a absolvição de Fabio Schvartsman, ex-presidente da mineradora, evidenciam desafios práticos e jurídicos para a definição de até onde vai a responsabilidade de um gestor diante de riscos ESG.
Mais do que uma decisão isolada, o desfecho desse caso pode influenciar o mercado e servir de referência para futuros processos que envolvem falhas de governança em questões ambientais e sociais. Ao considerar que o dever de diligência não se resume à confiança cega em auditorias e relatórios técnicos, a CVM envia um recado claro aos administradores: a responsabilidade de garantir a segurança e a sustentabilidade das operações empresariais não pode ser terceirizada.
O caso Brumadinho escancara um dilema central na governança corporativa: até que ponto a alta administração pode alegar desconhecimento de riscos críticos? Segundo a acusação da CVM, havia indícios claros de que a Barragem B1 representava um risco inaceitável, mas essa informação não teria chegado a Schvartsman, o que justificou sua absolvição. No entanto, para Poppinga, que estava diretamente ligado à operação da Vale em Brumadinho, o argumento não foi suficiente.
Essa diferenciação no julgamento reforça a importância de uma cadeia de reporte eficiente dentro das empresas. Se o CEO não recebe informações críticas sobre riscos materiais, isso sugere um problema sistêmico na governança da companhia. O entendimento da CVM sinaliza que não basta confiar no cumprimento formal de normas e processos internos – a diligência esperada de um administrador inclui questionar, investigar e agir de forma proativa quando se trata de riscos ESG.
A decisão também coloca em xeque a eficácia dos mecanismos internos de governança. No caso da Vale, a mineradora possuía estruturas formais de auditoria, monitoramento e gestão de riscos, mas, ainda assim, o colapso da barragem em Brumadinho ocorreu. Isso levanta um alerta para empresas de setores de alto impacto ambiental: a existência de uma governança formalizada não garante que os riscos estão sendo de fato gerenciados.
O julgamento da CVM ocorre em um momento em que a pressão regulatória sobre ESG cresce globalmente. Na União Europeia, a nova Diretiva de Due Diligence em Sustentabilidade Corporativa impõe obrigações explícitas para que empresas realizem uma diligência aprofundada sobre os impactos ambientais e sociais de suas operações e de sua cadeia de valor. Nos Estados Unidos, há um movimento crescente para que órgãos reguladores, como a SEC, estabeleçam regras mais rígidas para a divulgação de riscos climáticos por empresas listadas.
No Brasil, essa decisão pode abrir caminho para um maior rigor na avaliação da conduta de administradores em temas ESG. Embora a CVM tenha sido cautelosa ao diferenciar as responsabilidades dos acusados, a mensagem que fica é que executivos e conselheiros precisarão demonstrar que estão ativamente envolvidos na supervisão e mitigação de riscos ESG. A cultura da “diligência reativa” – onde a alta administração apenas responde a crises quando elas já se materializaram – pode deixar de ser aceita como defesa válida.
Além disso, a decisão pode incentivar mudanças na forma como riscos ESG são reportados e monitorados dentro das empresas. Conselhos de administração e diretorias executivas precisarão reforçar mecanismos internos para garantir que informações críticas cheguem aos tomadores de decisão. Isso pode levar a uma valorização de estruturas independentes de auditoria e compliance, além de uma demanda crescente por profissionais especializados em governança e gestão de riscos ESG.
A decisão da CVM, ao mesmo tempo que reforça a importância da diligência dos administradores, também traz desafios práticos e jurídicos para empresas e seus gestores. Um deles é a necessidade de definir com maior clareza os critérios objetivos para avaliar se um administrador cumpriu ou não seu dever de diligência. Se, por um lado, o caso Brumadinho evidencia a importância de um monitoramento mais próximo de riscos ESG, por outro, ele também demonstra as dificuldades em estabelecer onde termina a responsabilidade individual e onde começam as falhas sistêmicas da empresa.
Outro ponto de atenção é o risco de que decisões como essa levem a uma postura defensiva por parte de administradores, que podem adotar uma abordagem excessivamente burocrática para se proteger de eventuais sanções. Esse fenômeno, conhecido como “overcompliance”, pode acabar criando estruturas rígidas e ineficientes, onde o foco se desloca do gerenciamento real dos riscos para a construção de uma defesa formal contra futuras responsabilizações.
Além disso, a decisão reforça um desafio jurídico para futuras ações de responsabilidade contra administradores. A linha entre “não saber porque não quis saber” e “não saber porque a estrutura da empresa falhou” nem sempre é clara. Esse julgamento pode abrir espaço para novas interpretações sobre a extensão do dever de diligência, especialmente em casos envolvendo riscos ESG, onde a materialização do dano muitas vezes ocorre anos depois de decisões gerenciais terem sido tomadas.
Se há uma mensagem que esse julgamento deixa para o mercado, é que riscos ESG não são um tema secundário – são riscos estratégicos que precisam ser tratados com a mesma seriedade que riscos financeiros e operacionais. O desafio agora é garantir que essa nova visão se traduza em mudanças estruturais dentro das empresas, criando um ambiente onde o dever de diligência seja, de fato, exercido e cobrado de forma eficaz.
A decisão da CVM coloca um novo peso sobre os ombros dos administradores: a necessidade de uma governança ESG real, que vá além do discurso e da formalidade.
A questão que se coloca para administradores e empresas não é se o mercado aceitará esse novo patamar de governança, mas sim quando e como essa mudança será implementada. Porque, como o caso da Vale demonstrou, o custo da omissão pode ser incalculável – tanto para a sociedade quanto para os próprios executivos.
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