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Eixos | 23/10/2025 | Roberta Aronne | Luan Soares | Marceli Kobayashi
As medidas anunciadas pela Enel serão suficientes para evitar mais interrupções?
Com a certeza de que novas tempestades virão, mais cedo ou mais tarde, estaremos prestes a enfrentar outro apagão? As medidas anunciadas pela Enel serão suficientes para evitar mais interrupções?
No segundo final de semana de outubro, o estado de São Paulo, maior PIB do país, foi mais uma vez afetado por fortes chuvas e ventos que ultrapassaram 100 km/h, paralisando a rotina de milhões de pessoas. Mesmo após quatro dias do evento, cerca de 400 mil residências ainda estavam sem energia, sendo 250 mil apenas na capital.
O apagão ocorreu poucos dias depois de a Enel, concessionária responsável pela distribuição de energia na região, ter anunciado seu “plano verão”, um projeto destinado a mitigar os impactos de eventos climáticos intensos. Esse plano prevê investimentos de R$ 6,2 bilhões entre 2024 e 2026 na modernização da rede elétrica e no aumento da equipe de campo para até 2.500 colaboradores em situações críticas.
Desde que assumiu a antiga Eletropaulo em 2018, a Enel já investiu R$ 8,36 bilhões na infraestrutura elétrica, quase o dobro da média de investimentos de seu antecessor. Também firmou parceria com o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais/MCTI) para melhorar a previsão e resposta a desastres naturais. No entanto, o recente apagão levantou dúvidas sobre a eficácia dessas medidas, com a Aneel exigindo explicações imediatas e cogitando iniciar um processo de caducidade da concessão, o que pode resultar na rescisão antecipada do contrato, com vigência prevista até 2028.
No contrato de concessão, o Governo Federal delega a prestação do serviço público de distribuição de energia e a Aneel atua como órgão regulador, fiscalizando o cumprimento das obrigações. A concessão da Enel, assumida em 2018, foi estabelecida em 1998 para o concessionário anterior por um período de 30 anos, com possibilidade de prorrogação. Porém, o contrato prevê a caducidade como alternativa em caso de falhas graves e recorrentes, permitindo a rescisão unilateral. Mesmo que isso ocorra, a Enel teria direito a uma indenização proporcional aos bens reversíveis ainda não depreciados.
Por exemplo, se uma subestação instalada em 2018 ao custo de R$ 200 milhões fosse envolvida, e restassem 70% de sua vida útil, a Enel receberia cerca de R$ 140 milhões como compensação. Esse tipo de cenário traz desafios financeiros para o governo, que precisa avaliar os impactos nos cofres públicos em caso de rescisão.
Além dos aspectos técnicos e econômicos, o debate ganhou uma dimensão política, com figuras públicas como Alexandre Silveira, Tarcísio de Freitas e Ricardo Nunes trocando acusações em meio à crise. Embora a pressão política possa contribuir na cobrança de responsabilidades, há o risco de que uma decisão percebida como precipitada — que, neste contexto, não se refere apenas à rapidez, mas à falta de uma análise técnica bem fundamentada — possa desestabilizar o mercado.
Decisões açodadas, que priorizam respostas imediatas e populistas, podem minar a confiança dos investidores em um setor que é altamente dependente de previsibilidade regulatória para atrair investimentos vultosos. A previsibilidade é essencial para evitar que antagonismos políticos comprometam a segurança jurídica e dificultem a captação de novos aportes no futuro.
Inclusive, enquanto este artigo era escrito, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em 17 de outubro, o Projeto de Lei n° 1272/24, que descentraliza a fiscalização dos serviços de distribuição de energia elétrica, permitindo que municípios e o Distrito Federal também atuem nessa fiscalização.
Embora a medida tenha como objetivo aumentar o controle sobre as concessionárias, podendo ser encarada como uma delegação parcial de competência, há o risco de que essa descentralização resulte em abordagens divergentes entre os municípios, complicando ainda mais o ambiente regulatório e comprometendo a eficiência e a uniformidade das fiscalizações, o que pode, novamente, gerar incerteza para os players do setor e afastar potenciais investidores.
A Aneel avalia o desempenho das concessionárias por meio de indicadores como o DEC, que mede a duração das interrupções, e o FEC, que indica a frequência dos cortes de energia. Em 2023, a Enel apresentou um DEC de 10,43 horas, uma melhora de 6,9% em relação ao ano anterior. O FEC também registrou avanço, caindo para 5,24 interrupções por unidade consumidora. No entanto, a empresa ainda enfrenta dificuldades: no ranking de continuidade divulgado pela Aneel, a Enel São Paulo ocupou apenas a 21ª posição, evidenciando que, apesar dos investimentos, seu desempenho permanece abaixo do esperado.
Inevitavelmente surgem dúvidas: mesmo que os índices de qualidade da Enel apresentem melhora, como se observa no DEC e no FEC dos últimos anos, por que São Paulo continua enfrentando apagões em larga escala? Com a chegada do verão, que historicamente traz mais eventos climáticos extremos, estaremos prestes a enfrentar novos apagões em um espaço de tempo tão curto?
A crise atual ressalta a necessidade de um planejamento mais eficiente e alinhado com as exigências regulatórias, especialmente porque eventos climáticos como o ocorrido devem se tornar cada vez mais comuns e frequentes. Nesse sentido, poderia a Aneel agir de maneira preventiva, antecipando fiscalização e monitoramento, de modo a se munir das informações necessárias para eventual tomada de decisão de maneira célere. A Resolução Normativa Aneel nº 1.000/2021 já estabelece diretrizes claras para que concessionárias implementem medidas de prevenção e resposta, mas a realidade mostra que o cumprimento dessas obrigações ainda é insuficiente.
Nesse contexto, é fundamental que a Aneel e o Ministério de Minas e Energia atuem em conjunto de forma rigorosa e técnica, garantindo que as ações da Enel estejam à altura das exigências e que a concessionária cumpra seu papel de forma eficiente. Ao mesmo tempo, decisões atabalhoadas, motivadas por pressões políticas, devem ser evitadas para preservar a credibilidade do setor e manter a atratividade para investimentos futuros. A resolução dos problemas enfrentados pela Enel depende de um diálogo contínuo e estruturado entre os diversos atores envolvidos, com foco em soluções sustentáveis e de longo prazo (dentre as quais, entretanto, não se inclui o enterramento de rede), capazes de garantir a qualidade do serviço e a continuidade do fornecimento de energia, mesmo diante de adversidades climáticas previsíveis.
Roberta Aronne é sócia nas áreas de Energia, Construção e Gestão de Contratos do Simões Pires; Luan Soares é advogado nas áreas de Energia e Construção do Simões Pires; Marceli Kobayashi é estagiária da área de Energia e Construção do Simões Pires.
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