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A reforma tributária argentina e seus impactos no Brasil

14/02/2025 - Artigo

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Folha de S.Paulo | Que imposto é esse – Eduardo Cucolo |João Casalatina | Amanda Neuenfeld Pegoraro | 14/02/2025

O novo sistema de arrecadação argentino é descentralizado e dá às províncias total autonomia tributária, estimulando a competição fiscal para induzir crescimento econômico. O risco é que, num cenário em que a logística pese muito menos que os impostos, a oferta de vantagens regionais torne o vizinho alvo de medidas antidumping internacionais e arraste o Brasil como principal atração desse show, devido ao Mercosul

O atual sistema tributário da Argentina possui certa semelhança com o brasileiro, sendo composto por arrecadações nas esferas federais, estaduais (ou provinciais) e municipais. Da mesma forma, também possui imposto sobre a renda e um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) já estabelecido.

Interessante, porém, é o movimento que vem sendo liderado pelo atual presidente Javier Milei. Com um discurso de redução de até 90% da carga tributária, o presidente e sua equipe econômica desenham um sistema de arrecadação tributária descentralizado, que dá às províncias total autonomia sobre a gestão de suas arrecadações, reduzindo, portanto, a dependência destas províncias dos recursos federais a quase zero. Mas, este modelo nos parece similar, não?

A reforma tributária brasileira vai num caminho totalmente oposto em que, embora não altere de maneira substancial a autonomia dos estados, busca acabar com a competição fiscal entre eles. Na Argentina, a competição fiscal vem sendo estimulada como uma mudança a desenvolver vetores de crescimento econômico.

No mesmo cenário, vemos a reforma de Milei tratando com naturalidade a cobrança de impostos de exportação para quaisquer processos de bens com origem argentina que sejam vendidos para outros países. Brasil, Paraguai e Uruguai possuem a sistemática de imposto de exportação somente para casos extremos e bastante raros, em que há necessidade de retenção da produção nacional. Ainda, olhando de maneira mais ampla, países com incidência de imposto de exportação são entre 25-30% dos países no mundo e, diferente da Argentina, realizam tal cobrança para regular o mercado interno e garantir prioridade de consumo interno de suas commodities e recursos naturais.

Descentralizar gestões, mudar nomes, alterar fluxos e processos são também alvo da reforma na Argentina que mais servem para confundir do que para simplificar, pois possuem efeito prático nulo na redução da carga tributária.

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E por que isso é relevante para nós? Porque a Argentina é a segunda maior economia do Mercosul e possui acordos relevantes em conjunto com o Brasil, de forma que as políticas econômicas adotadas pelo país podem impactar direta e indiretamente o relacionamento de todo um bloco econômico perante outros países e blocos. Adotar uma política internacional desreguladora coloca o país em um ponto incomum da zona de negociação dos demais países, fator esse bastante negativo a todo um bloco econômico que respira instabilidade e insegurança tributária e jurídica.

De maneira bastante grosseira, é nítido que o país adota políticas econômicas de transformação tributária que seguem um sentido totalmente oposto àquele que vem sendo implementado na reforma tributária brasileira. Não menos importante, a garantia prometida por esta reforma é a redução da carga tributária que hoje está sob poder federal, mas que, de fato, apenas transfere a responsabilidade de gestão, volume e cobrança para as províncias, que poderão, inclusive, adotar políticas de arrecadação que tragam um cenário mais oneroso do que o atual.

Ainda, é importante ressaltar que nem a Argentina nem os outros países do Mercosul possuem espaço geográfico nem sequer próximo ao brasileiro, tampouco quilometragem litorânea, o que faz com que aspectos logísticos sejam menos relevantes que no Brasil.

Ora, se num cenário em que a logística possui enorme peso ainda assim o cenário tributário não raras vezes apresenta maior vantagem (haja visto a Zona Franca de Manaus), sem a variável logística, o fator tributário será dominante e praticamente isolado na tomada de decisão das indústrias em relação a sua localidade, restando apenas movimentos atrelados a mão de obra qualificada, infraestrutura portuária e proximidade com fornecedores.

Eis aqui uma enorme oportunidade de as províncias argentinas analisarem parcerias público-privadas para qualificação da mão de obra local que, ao atrair empresas, atrairá moradores –ou seja, consumidores– e arrecadações tributárias para as suas localidades, que (se espera) tragam mais desenvolvimento econômico e social.

Logo, se o cunho logístico é pouco relevante e o ambiente tributário se mostra pouco inovador, atrativos direcionados a segmentos específicos parecem ser uma estratégia que garantirá a sustentabilidade provincial e o benefício industrial num cenário ganha-ganha.

Só não vale esquecer que, se dentro de casa quem dita as regras é o anfitrião, cabe à comunidade internacional aceitá-las. Elas impactam a validade de acordos de complementação econômica dos quais a Argentina faça parte, bem como o Brasil, de maneira isolada ou como membro do Mercosul, criando conflitos que podem evoluir até medidas antidumping, que são aquelas tomadas quando um país aumenta os tributos de certo produto com determinada origem para garantir que os benefícios concedidos pela indústria do país fabricante não afetem de maneira desleal o seu mercado local. Hoje o principal alvo global dessas medidas é a China, devido aos seus subsídios governamentais e influência na indústria. Amanhã, a Argentina pode ser o próximo alvo, com grandes chances de o Brasil ser a principal atração desse show, devido ao Mercosul.

Veja também: Trump impõe protecionismo e redesenha bases do comércio global

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